A faca deslizava sobre a tábua de cortes picando a cebola. O
cheiro do molho já estava dominando a cozinha, mas a mente dela não estava
presa ali. Ela tentava se concentrar na faca e em seus dedos para não se cortar,
mas estava cada vez mais difícil, a presença dele ali, no outro cômodo era mais
forte. Sua mente divagava entre as certezas da vida e não ouviu sua aproximação
sorrateira.
Os passos eram leves para que ela não ouvisse. Seu corpo
adentrou a cozinha calmamente e não se deteve muito a observá-la trabalhar com
a faca. Seu corpo se aproximou ao dela e suas mãos envolveram sua cintura a
abraçando.
- O cheiro está delicioso
A reação do corpo dela foi involuntária. Sua mão apertou
mais forte o cabo da faca e os movimentos cessaram. Seu corpo ficou paralisado. Estava difícil
manter a barreira firme em sua mente. Os sentimentos queriam passar para o
outro lado, mas ela insistia em deixar eles bem ali, quietos do lado da
amizade. Eles saltitavam em sua mente querendo ver do outro lado do muro,
tentavam escalar, quebrar, furar, mas ela estava se mantendo o mais firme
possível. Mas aquele gesto dele não ajudava em nada.
- Não devia me abraçar assim.
As palavras saíram fracas, era algo mais para ela que para
ele. A posição dele era clara. Ele já havia dito que eram apenas amigos e isso
deveria ser normal para ele. Olhou para a faca e para as cebolas e viu que
estavam mais que picadas.
- Logo mais estará pronto
Sorrio fraco e tentou se afastar na direção do fogão. Ele
soltou os braços e a observou.
- E porque não deveria te abraçar assim?
A pergunta a pegou de surpresa. Ela não queria que ele
tivesse ouvido a exclamação. Caminhou até a panela e começou a dourar as
cebolas. Seu olhar estava fixo no fogão. Mexeu o molho com a mão extra e focou
no que estava fazendo
- Oras... Por que não... isso é tão... casalzinho.
Tentou que suas palavras fossem o mais natural possível.
Pegou a carne que já estava separada e colocou na panela mexendo sem parar.
Agregou os temperos.
Ele a observava, pensando em suas palavras e atento a cada
movimento de seu corpo. Quando ela parou de mexer e tampou a panela observou
seu corpo ir na direção da pia para lavar as mãos. Se aproximou novamente e a
abraçou agora mais forte. Seus lábios se aproximaram de seu ouvido e sussurrou
- Gosto de... casalzinho
O corpo dela não sabia mais como agir. Muito menos sua mente
que agora estava mais confusa ainda. Piscou algumas vezes tentando associar as
palavras e buscando um sentido, um significado. Seu corpo girou dentro do
abraço dele e seus olhos encararam os dele. Seu olhar tentava decifrar o que ele
pensava, o que ele queria, mas ela mal conseguia entender o que ela queria.
Abriu a boca para falar algo, mas fechou novamente. Sua mão rumou até o rosto
dele e acariciou de leve.
Começou a ouvir um barulho ao longe, algo que não parava de
perturbá-la, algo que a fez abrir os olhos. Os primeiros raios de sol já
adentravam ao quarto e a mão foi pesada e com raiva até o celular para desligar
o despertador. Seus olhos olhavam em volta, mas ele não estava ali.
Por Ana Carolina Giorgion - 26/02/2016 J.V.